Via crucis por consultas, mortes de crianças e longa espera por atendimento: entenda o difícil ano na saúde do DF
Ministério Público entrou com ação na Justiça contra governo do DF e instituto que gerencia parte das unidades, o Iges. Rede desestruturada e déficit de 470 médicos são dois dos motivos do atendimento precário na rede pública, diz MP.
Anna Júlia, 8 anos, passou por 4 unidades de saúde e morreu; o bebê Enzo, 1 ano, esperou horas por ambulância para ser levado a hospital infantil, seguno pai Cícero Albino, e não resistiu.
Filas, horas de espera e falta de atendimento: este é o dia a dia de quem entra nas UBSs, UPAs e hospitais públicos do Distrito Federal em busca de ajuda. É o caso de Francisca Rita Costa.
Às 7h do dia 25 de novembro, Francisca chegou com o filho, de 11 anos, na UPA de Ceilândia. A criança só recebeu atendimento às 16h, depois de nove horas de espera.
Como a história de Rita não é exceção – no DF, famílias denunciaram mortes de crianças por negligência –, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) entrou com uma ação civil pública, em outubro, contra o governo e o Instituto de Gestão Estratégica (Iges) – que administra a maior parte da unidades de saúde. O documento detalha a precariedade na rede pública de urgência e emergência.
Com base no documento do MPDFT, o DE destacou quatro pontos que explicam a crise da saúde do DF. A ação tramita no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Veja abaixo os quatro pontos:
1. Rede de urgência e emergência desestruturada em três níveis
2. Superlotação e ‘bandeiramento’ contínuo
3. Déficit de técnicos, médicos e enfermeiros
4. Falta de leitos
Mal o ano começou, e o GDF decretou emergência por causa da dengue. 10 mil crianças aguardavam por consulta neurológica no início do ano. Doenças respiratórias e dengue superlotavam UPAs em maio. Entre abril e junho, famílias de 6 crianças mortas denunciaram negligência. Ainda em maio, o GDF admitiu problemas na saúde, mas negou crise. A TV Globo flagrou fila na madrugada para marcar consulta no Hospital de Base em maio. Auxiliares e técnicos de enfermagem começaram greve em junho. Sem anestesistas, pacientes não puderam fazer cirurgias no Hospital do Paranoá em julho. Tribunal de Contas do DF inspecionou 27 UBSs e só 4 foram consideradas boas. Queixas contra UBSs foram de 3.908 de janeiro a setembro de 2023 para 5.023 em igual período de 2024, segundo a ouvidoria do GDF.
Pacientes em fila na madrugada para marcar exames em hospital público no DF, em maio de 2024.
Além do MPDFT, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem três processos em andamento sobre a eficiência na rede de atenção à saúde do SUS, do DF e repasses da União para o Iges-DF. Ao DE, o Iges-DF afirma que “é responsável pelas unidades do Hospital de Base, Hospital Regional de Santa Maria, Hospital Cidade do Sol e as 13 Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) do DF”. O instituto diz que monitora as unidades de pronto atendimento (UPAs) e hospitais administrados DF por meio de um sistema digital. Até o final de novembro, segundo o painel de monitoramento do Iges-DF, houve 10.041 denúncias para a ouvidoria do Iges-DF. Dessas, 3.918 são sobre atendimento em UPAs e hospitais, ou seja, são cerca de 356 denúncias por mês.
Procurados pelo DE, o Governo do Distrito Federal, a Secretaria de Saúde e o Conselho Federal de Medicina não responderam até a última atualização desta reportagem.
Entre janeiro e agosto deste ano, 468 crianças de 0 a 14 anos morreram na rede pública e privada de saúde do Distrito Federal. Foram 345 mortes em 19 UPAs e hospitais públicos e 123 em unidades da rede privada. Em média, uma criança morreu por dia na rede pública de saúde do DF, que concentra 73% das mortes. Neste ano, o DE acompanhou seis casos de crianças que morreram em UPAs e hospitais públicos no DF e em que as famílias denunciaram negligência por parte das equipes de saúde.
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